“Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As
palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas.
[…]
Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um
alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria
que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem
pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não
quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em
ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a
sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o
escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E
a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo
qual é senhora e rainha.”
Bernardo Soares, in Livro do Desassossego, 259, a págs. 254/255
2 comentários:
O livro do Desassossego é sempre bom de ler, amiga.
Momento musical excelente.
Beijos.
Bom dia!
E que Setembro seja mais ameno que esta Agosto!
Saudações poéticas!
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