Há os que vêm de longe, trazendo nas mãos
e nas pálpebras o mar exilado.
À porta descalçam as sandálias
gastas de inventariar o pó,
e antes que entrem na casa do poema
coroam-se de silêncio e silvas.
Percorrem depois longamente as paredes
fechando janelas onde não existem,
e rente à cegueira vão recolhendo as aves
que tropeçam na luz dos dedos.
Grandes rios negros atravessam a noite e os pulsos,
e as palavras doem nas unhas como espinhos acesos.
E há os outros, os que rondaram desde sempre
a casa sem se atreverem a entrar.
Falo dos que percorrem a lâmina do poema
medindo a eternidade pela distância
que vai dos lábios ao nome.
Dos que bebem as árvores entornadas nas palavras,
e esperam que dos gestos caiam os últimos deuses
destronados pelo rasgar dos frutos.
Falo dos que vêm do lado da loucura
e trazem na boca os olhos
com que quiseram acender todos os fogos.
Dos que viajam a cinza e o assombro,
demorando-se em tudo o que mais ninguém tropeça.
("Iniciação ao Remorso" de Jorge Melícias"A Mar Arte", 1998)
5 comentários:
Olá Menina! Este é um belo poema de Jorge Melícias. Eu tenho o livro "Iniciação ao remorso", que contém belíssima poesia. Cito o autor:
"A mulher fechou-se no quarto
com a noite entre as mãos.
Está funda na casa.
Mas partidas todas as lâmpadas
a cegueira é ainda uma forma de ver".
Um beijo.
Gosto do seu blog. Parabéns!
Gostaria de saber como fez para colocar no seu blog aquele aviso inteligente «NÃO COPIE - Peça que eu envio. Grata pela visita...».
Aqui vai meu pedido!
Agradecido! Voltarei!
Th.M.
Foto poderosa e poema forte que muito apreciei!
Um beijo e bom domingo!
Obrigada, minha querida, por me dares a conhecer este poeta que, confesso a minha ignorância, não conhecia.
O poema é forte e profundo.. Gostei tanto que me deu logo vontade de comprar o livro donde ele foi retirado.
Beijinhos e um bom domingo para ti.
Querida Menina
E cá continuo, sem te abandonar, lendo o que escreves e o que publicas dos outros... :)
Um beijo
Daniel
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