quarta-feira, 9 de maio de 2007

Conto de Fadas

Fotografia de Olga Gouveia


O que te dizer quando nos olhos, como lágrimas se desprende
o que sinto por ti?
O que te escrever quando as palavras estão enfermas de erros
e enganos, e não afastam esta solidão que cresce dentro de mim?
resta-me este silêncio que sei incapaz de me trair, e que colho às mãos
cheias como no verão o jasmim, escrevo-te longas cartas que rasgo
logo a seguir, nados mortos em envelopes azuis por abrir.
um anão de vão de escada sorri, e um mandarim de pau na mão
certifica-se que não adormeci na vida que se projecta diante de mim
na alva parede que se fecha sobre os sonhos da minha infância,
onde outrora pintei um sol amarelo graffiti confiante e sorridente.
refugiam-se nas tocas os coelhos, bolas de pêlo saltitante de nariz fremente
e hesitante, como se a cada instante fosse necessário abalar a fugir.
provavelmente terão a sua razão, e pelo sim pelo não
telefono ao tubarão que me guia pela noite, num deslizar de águas mansas
tépidas e límpidas como cristal, recolho então as estrelas
e os cristais que Neptuno me oferece
e sou feliz enquanto não amanhece
e o despertador me atira da cama com um grito de urgência
e sou eu de novo adulto responsável
incapaz de verter uma lágrima ou de soltar um sentimento que não seja
picar o ponto e bater num teclado qwert que diante de mim boceja.
e ainda há quem não veja, que a felicidade se esconde por detrás de um
funcionalismo público que de um prédio dos subúrbios espreita
e que o poder de compra se vende em quiosques, estampado em revistas
de fundo cor de rosa, recheados com conselhos de uma madame de Cascais
ou na tinta suja dos jornais em letras gordas e garrafais. e os lustrosos
senhores do capital dizem-nos que temos de viver mal
para que a engrenagem não emperre, e a vida avança por entre prateleiras
de hipermercado devidamente embalada e pronta a consumir, que o tempo
escasseia e é preciso produzir, sempre a sorrir, sempre satisfeito
que se o humano não é perfeito, as máquinas inventaram-se para o corrigir.
atribuo-te um número binário, um cálculo matemático e hermético
para aferir o quanto gosto de ti, mas o sistema encravou e é preciso
reiniciar para prosseguir, salva-se o que se pode e digo-te baixinho:
amo-te princesa dos contos de fadas da minha infância
e de armadura reluzente armo-me com a espada do rei Artur
e vou caçar dragões para me distrair, da doença do mundo
que consiste em não saber sonhar ou sequer sorrir.
Ouvir o poema na voz de Luís Gaspar (Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)

9 comentários:

Antonio Silva disse...

Que belo conto de fadas que Frederico Hartley divulga na magnificiência do seu Poema.
À minha grande Amiga Menina Marota uma vez mais tiro humildemente o meu chapéu e deixo-me envolver na magia, na nostalgia, na capacidade imaginativa, na sensualidade ao som de uma genuína sinfonia.
Aquele abraço de Amizade e por vezes a melhor forma de reencontar-nos é repensarmos atitudes com que na maioria das vezes nos precipitamos.
Será sempre um prazer ler-te ou ouvir a selecção das melodias que tanta alegria transmitem e permitem a tua presença no meio de nós com tão sublime companhia.

Antonio Silva disse...

Aproveito para escrever mais umas belas quadras de incentivo, coragem, carinho e admiração.

Sabes ninguém é insubstituível
mas não existe regra sem excepção
Amiga só podes continuar a animação
partindo da capacidade notável.

Se precisares de parar
julgo que fazes bem
o descanso alimenta o ego também
aproveita relaxa mas continua a comentar.

Ninguém poderá exigir
que não o faças
se o teu consciente precisa que o satisfaças
deves sempre pensar bem antes de decidir.

Penso como Amigo
que não é necessário uma longa retirada
ouve a voz da razão, do coração e nunca serás precipitada
é com experiência que sinto aquilo que já aconteceu comigo.

Sempre gostei de escrever
nasci com isso no sangue
durantes anos parei e fiz o exame
e a criação do Blogue fez-me renascer,comunicar e reaparecer.

Sem mais me despeço com um abraço de gratidão por um dia teres acreditado em mim ao estender-me a mão e o Blogue com que me desafiaste rapidamente deu-te inteiramente Razão.

Paula Raposo disse...

Foi um prazer ler. Beijos.

O Montanheiro disse...

Texto maravilhoso. É mesmo um conto de fadas, graciado pela voz encantadora do Luis Gaspar.

"...da doença do mundo que consiste em não saber sonhar ou sequer sorrir".

Para quando é que o mundo acorda para que possamos TODOS viver sorrindo ?!...

Parabéns ao autor por esta magnifica prosa e para ti, por tudo...
um beijo carinhoso.

Anónimo disse...

a música não funciona :(

bom dia e um beijinho.

Carla D'elvas disse...

AMEI :)

linda, como sempre, a tua escolha!
:)

maresia_mar disse...

Olá
é mesmo um conto de fadas.. tu sabes fazer bem as tuas escolhas, óptimo bom gosto..
Bom resto de semana

Maria Clarinda disse...

Maravilha...li, e reli!
Jinhos mil

Maria Clarinda disse...

Maravilha, imprimi e guardei para ler absorvendo as palavras...
A foto da Olga(um jinho para ela), ficou linda aqui!