domingo, 1 de abril de 2007

Primavera...

Pintura de Joan Beltrán Bofill

A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos subtis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto Inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardénias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efémera.


(Texto extraído do livro "Cecília Meireles – Obra em Prosa – Volume 1", Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.)


Ouvir o texto na voz do Luís Gaspar
(Desligar p.f. a música de fundo para ouvir o poema)

21 comentários:

Gi disse...

Um prosa com linguagem poética como ela tão bem fazia. tenho imensa pena de não conseguir ouvir o mp3, faz download mas... nada :(

Resto de um bom domingo, vou ouvir a linguagem das borboletas

Paulo disse...

Deslumbrante!...como a Primavera...

A.S. disse...

Surpreendes sempre pela beleza dos textos que partilhas connosco!....

Um abraço!

Páginas Soltas disse...

Como sempre...mais uma prosa deslumbrante!

Beijo da

Maria

Anónimo disse...

tal como é opinião de quem me antecede: deslumbrante esta postagem. texto, musica e imagem, excelentes!!
Bjinhos do aaron

Isabel Magalhães disse...

"Efémera" mas a cada ano renovada!

Aproveito para te deixar um Ovo de Páscoa como agradecimento por esta partilha.

Bjis.
I.

Unknown disse...

A Primavera está a chegar de uma forma tão timida e que nem se dá por ela....chove lá fora!
um abraço
brisa de palavras

Pink disse...

Obrigada por partilhares connosco um texto tão belo e que me trouxe beleza e paz.

Um beijo e BOA PÁSCOA!

sofialisboa disse...

sim sei que apesar dos teus convites aqui venho pouco, mas depois de vir e ler é tão bom...gostei muito desta Primavera bem hajas sofialisboa

O Montanheiro disse...

Como já referi num outro teu Blog, felizmente que voltaste para nos deliciares com textos muito bonitos.

"...e a Terra maternalmente se enfeita para as festas..."

Naturalmente que a Primavera, é por excelência, uma estação colorida, de muito encanto e beleza, onde o Amôr floresce...

Parabéns querida amiga por esta escolha.

Uma noite muito feliz

Do amigo, VR

Maria Carvalho disse...

Um texto muito belo!!

Maria Clarinda disse...

Foi tão bom estar aqui....
Jinhos
Feliz Páscoa.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

Desejos de uma boa Páscoa cheia de saúde e boa disposição.

APC disse...

Que delícia... Terapêutico! :-)))

Tem uma boa Páscoa, Rosa-Menina!

Nelson Ngungu Rossano disse...

Obrigado pela visita!

=)

Adorei o teu refugio...
Voltarei...

Bj

Anónimo disse...

Estou a passar um mau bocado e vim aqui ler-te.; a minha vida amorosa está um caos e não sei que fazer o meu namorado pede um tempo para saber se me ama ou não e eu tou desesperada pensava que sabia o que era o amor que estava segura e agora estou neste desespero, gosto muito de estar aqui a ouvir esta musica e a ler-te. saberás tu dizer-me porque doi tanto amar????????
jinhos ternos da Rakel

Anónimo disse...

Acho que é a minha primeira vez aqui, foi como se estivese na frente de uma montra a ver um fato, gostei e fiquei, a musica é absorvente... deixo amendoas doces... volto para saber se eram mesmo boas...

Anónimo disse...

Lindo texto! Excelente partilha.
Lá fora, a primavera chora, as nuvens derramam o seu pranto, mas nós sentimo-la no nosso interior.
Sabemos que cantam os pássaros, que as flores brotam nos ramos e que um novo ciclo reclama que sigamos o nosso coração.
Beijos

Daniel Aladiah disse...

De longo tempo trocamos palavras que nos afagam o coração.
Um beijo
Daniel

Carla disse...

Passei por aki e deixo votos de uma boa semana.
¨`*• (¨`•.•´¨) ♡ .•*´
      ¨`*• .`•.¸(¨`•.•´¨) ♡ .•*´
      ¨`*• ♡ × `•.¸.•´  
Beijos

Bia disse...

Depois de ler este belo texto com que nos presenteaste sinto a Primavera a invadir a minha casa.. :)